domingo, 10 de setembro de 2006

Contas que vos conto

Tenho seguido com atenção a nova novela em exibição na Câmara e Assembleia Municipais de Estremoz. A propósito dos documentos de prestação de contas do Município de Estremoz gerou-se uma disputa assaz invulgar, a qual incluiu maus modos de alguns dos contendores – com trocas de piropos e tudo – e algum nonsense típico do humor britânico. Em suma, um verdadeiro campeonato da teimosia, do “eu sei e tu não sabes”, do “eu tenho razão e tu não tens”.
Explico rapidamente o que se passou: o Município, tal como qualquer colectividade ou empresa, tem que prestar contas. Aconteceu, porém, algo de atípico: na Câmara Municipal todos os membros se abstiveram na votação (0-7-0). Ora, isto é tão normal como na final da Liga dos Campeões ser o árbitro a levar a taça.
Não vou discorrer sobre os argumentos jurídicos e políticos bramidos na Assembleia Municipal. Refiro apenas o insólito de este órgão se ter visto a braços com um documento “não aprovado” e, ao mesmo tempo, “não rejeitado”. Segundo percebi, o elenco socialista não quis votar a favor porque a responsabilidade da gestão em 2005 foi maioritariamente da CDU (10-2). A CDU, por sua vez, não quis votar a favor porque o “relatório” que acompanhava as contas tecia considerações nas quais não se revia. Portanto, para resolver esta divergência, bastava que o “Relatório de Gestão” e as “Demonstrações Financeiras” tivessem sido objecto de votação separada. Mas não. Vá lá saber-se porquê, alguém entendeu que os dois documentos tinham de ser votados em conjunto, e mais para aqui e mais para lá…
Permito-me referir algumas observações factuais:
(1) As demonstrações financeiras são documentos técnicos. Logo, são documentos que dizem “o que foi” e não “o que deveria ter sido”. Assim, em circunstâncias normais, só não se votam favoravelmente quando existam indícios de irregularidades nos mesmos e, por outro lado, só se votam contra quando tais indícios são tão fortes que devam ser comunicados ao Ministério Público. Deles podem ser retiradas todas as ilações políticas que se queiram, porém o que está em causa são as “demonstrações” e não as ilações.
(2) O “Relatório de Gestão” é um documento em que se procede a uma interpretação (naturalmente, subjectiva) dos factos observados. É, por conseguinte, um documento político e, como tal, já admite qualquer tipo de votação.
Perante isto o executivo só tinha de suprir qualquer vício que as contas tivessem. Se estivessem mal, corrigia-as. Agora abster-se?... Não aprovar e não rejeitar os documentos de prestação de contas não é carne nem é peixe, será quando muito “bifinhos em filetes de soja”. Enfim …
(Publicado em 05 de Maio de 2006 no Jornal Brados do Alentejo
http://bradosdoalentejo.com.sapo.pt/)

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