quinta-feira, 24 de julho de 2008

Férias na crise

É certo e sabido que as crises nunca atingem todas as pessoas da mesma forma nem com a mesma intensidade. Em época de férias, tais diferenças acentuam-se. Se bem que todos já vão sentindo, em maior ou menor grau, os efeitos da crise, a verdade é que a situação é mais inquietante – quando não mesmo, angustiante – para quem ficou recentemente desempregado ou para quem já está há demasiado tempo a procurar trabalho. Outros há que sentem – ou temem – que o futuro próximo lhes seja mais adverso que o passado recente. Também para alguns destes, tal expectativa os impede de tirarem o adequado partido dos períodos de férias para recarregarem baterias, física e emocionalmente. Finalmente, felizmente – se bem que em menor quantidade que o desejável – ainda vai havendo quem consiga pôr a crise de férias.

Do exposto decorre que, para além das situações particulares de cada um, existem igualmente diferenças de percepção e na forma que as pessoas têm de reagir às adversidades. Para os mais optimistas não há qualquer problema do presente que não se possa resolver no futuro. Se a vida dura três dias e um deles é passado na tropa, então o que importa é viver o presente não vá o futuro falhar-lhes por qualquer razão. Estes, se não forem irresponsáveis, são em regra os mais felizes. Os pessimistas, esses vivem permanentemente em crise, seja ela real ou por antecipação. Para eles não há salvação possível: não só vivem continuamente nas trevas, como passam a vida a contagiar os que estão à sua volta. Por último, sem prejuízo de haver pessoas que não se integram em qualquer dos grupos, existem ainda aqueles que parecem padecer de uma disfunção bipolar, alternando entre a euforia exagerada e a depressão profunda. Num dia acreditam no futuro e endividam-se até à raiz dos cabelos – acelerando a marcha da economia numa viatura com pneus carecas –; no outro agarram-se à cabeça a pensar que o apocalipse chegou de vez. Ao contrário do que se possa pensar, estas pessoas são mais perigosas que aqueles que são, consistentemente, optimistas.

Enfim, seja por razões de facto seja por razões de atitude, este período de férias é encarado e sentido de formas assinaladamente diferentes. A crise chegou e ninguém sabe ao certo quanto tempo irá durar. É provável que nos tempos mais próximos a cotação do petróleo continue a subir, assim como a inflação e, consequentemente, as taxas de juro. Esta é a verdade e é com ela que teremos que viver. Porém, de nada valem os lamentos. O que importa mesmo é que nos adaptemos aos tempos que aí vêm com uma atitude positiva. Basta isto. Afinal, a verdade histórica é que os maiores progressos da humanidade germinaram em tempos de crise.

Termino com uma mensagem do Zé Pedro (dos Xutos…): "E quando as nuvens partirem / O céu azul ficará / E quando as trevas abrirem / Vais ver, o Sol brilhará!" Boas Férias!

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Arranja-me um emprego

Na época em que Sérgio Godinho desfrutou do seu maior sucesso artístico eu, confesso, nem sequer o conseguia ouvir. Ou melhor, esforçava-me por ignorá-lo. No entanto, a verdade é que mesmo sem o querer ouvir ouvia-o e, mesmo sem querer dar atenção ao que dizia (cantando), acabava por reter a mensagem.

Com o tempo tudo passa, tudo muda, tudo se aprende, tudo se resolve. Hoje já sou capaz de apreciar a música de Sérgio Godinho e até de fazer uso da letra de uma das suas criações para dar o mote ao tema de hoje. A sátira por ele feita às relações laborais no "capitalismo burguês" vai ser-me útil para evidenciar que também estas estão a mudar, tornando progressivamente desajustados alguns discursos do passado.

Num contexto em que trabalho era sinónimo de sobrevivência – por oposição à miséria e à fome – afigurava-se natural uma relação de subserviência do empregado em relação à entidade patronal, e de paternalismo desta para com os seus colaboradores. "Se dizia o que penso, eu posso estar atento / E pensar para dentro / Se queres que seja duro, muito bem eu serei duro / Se queres que seja doce, serei doce, ai isso juro / Eu quero é ser o tal / E como o tal reconhecido / Assim, digo-te ao ouvido / Arranja-me um emprego".

Conseguir um emprego era visto como um sinal de estabilidade financeira e emocional ("emprego para toda a vida"), como uma oportunidade de progressão na carreira associada à visão de colher os benefícios da senioridade e, finalmente, uma aspiração legítima a uma reforma confortável no final da vida. Em contrapartida, o empregador exigia lealdade, disciplina e subordinação à autoridade hierárquica e, como é evidente, um nível de produtividade mínimo.

Porém, gradual mas sistematicamente, aquele quadro de referência tem vindo a alterar-se. Primeiro porque o Estado-Providência afastou o espectro da fome, pelo que as novas gerações se foram mostrando crescentemente indisponíveis para aceitar toda a espécie de trabalhos. Por outro lado, porque se começa a perceber de forma cada vez mais evidente que essa "estória" do emprego para toda a vida constitui chão que deu uvas, tal como a aspiração de uma reforma garantida. Esta nova mentalidade tem vindo a pôr em causa a "lealdade cega" que as gerações anteriores manifestavam em relação ao empregador.

Do lado das organizações também as perspectivas se alteraram. De muito estruturadas e hierarquizadas – de onde se esperava que os líderes resolvessem todos os problemas e, na base, que os colaboradores não fizessem ondas que ofuscassem os seus superiores hierárquicos – passou-se a estruturas flexíveis, ao trabalho de equipa em projecto e à delegação de competências.

Neste novo quadro de referência o trabalho é encarado como um mercado, no qual só vende quem conseguir aportar valor para a organização. Mais vale ser leal à própria carreira que a um pai tirano.

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