Medina Carreira e, mais recentemente, Henrique Neto têm sido vistos como mensageiros da desgraça, velhos do Restelo e ainda de outras formas igualmente pouco abonatórias. Enfim, pouco importa. Quem diz verdades inconvenientes (para alguns) de uma forma tão crua corre sempre o risco de ser mal interpretado.
No entanto, a realidade é que estes senhores põem o dedo na ferida e, por muito desagradável que seja, é com estas realidades que as pessoas de boa-vontade têm de contar se quiserem reformar o sistema político em Portugal.
Antes que venham para aí os idiotas do costume dizer que Medina Carreira faz - nesta gravação - a apologia do Salazarismo, importa congeminar modelos de governação que contrariem as debilidades do sistema actual (e de outros homólogos que os antecederam quer na primeira República quer na Monarquia Constitucional do séc. XIX) que possibilitem a salvação da democracia representativa e do Estado de Direito. De facto, importa recordar que durante um período denominado de rotativismo (ainda na monarquia) também os governos duravam apenas um ano ou dois (por vezes, menos), também o erário público era prejudicado por teias de interesses, também os partidos se serviam primeiro a si próprios (e aos seus "dignos" representantes) e só depois, se sobrasse alguma coisa, se começavam a atender aos reais desígnios do país.
Chegada a República o panorama não mudou. Criou-se um sucedâneo para a figura do Rei, o Presidente, o qual, tal como o monarca, também não tem responsabilidade directa na condução dos destinos do país. Manda bitaites, exerce a chamada "magistratura de influência" que apenas significa que pode elogiar ou dizer mal (sem ter a responsabilidade de fazer melhor).
Estes modelos, Monarquia Constitucional e República Parlamentar, têm afinal muito em comum: os sufrágios permitem a eleição dos deputados e, indirectamente, são estes que decidem os governos. Trata-se afinal de um campo de excelência para a tirania partidária, para a troca de favores, para a subserviência dos deputados relativamente às lideranças partidárias e, concomitantemente, para o 1.º Ministro controlar a maioria dos deputados (quando o que se esperava é que fossem os deputados a fiscalizar e a controlar o governo). Deputado que se "porte mal", ou seja, em desconformidade com o centralismo partitocrático, leva um pontapé na massa da albarda e que vá cantar o S. Pedro para onde cantou o S. João.
Ora, a mensagem central de Medina Carreira é exactamente esta: os partidos devem ser colocados no seu devido lugar. São necessários? Claro que sim! É do confronto de ideias que se faz luz e sem debate democrático nem sequer as doutrinas evoluem. Agora o que não pode haver é partidos no Governo. É um contrasenso (que um partido esteja no Governo e ao mesmo tempo na Assembleia a fiscalizar-se a si próprio) e, salvo melhor opinião, a fonte de todos os males que nos afligem. Os ministros até podem provir dos partidos porém, uma vez empossados, devem cessar toda e qualquer actividade partidária (em Portugal apenas Sá Carneiro deu o exemplo afastando-se da liderança do PSD enquanto foi 1.º Ministro).
Aqui há uns tempos fui adepto de um slogan que dizia "Directas Já" (tanto no Brasil, antes da eleição de Tancredo Neves, como no PSD, em Portugal). Agora sou portador de um outro sensivelmente equivalente (depois de devidamente contextualizado): "Eleição directa do Governo Já"!
Como? Vejamos, a título de exemplo, um modelo que venho imaginando já há algum tempo e depois ponderem-se as vantagens e inconvenientes:
- Eleição directa do Presidente (que assume a responsabilidade pela condução dos destinos do país, do Governo, portanto);
- Eleição de uma câmara alta (Senado) à qual seriam cometidas as funções actualmente reservadas ao Presidente no modelo actual (promulgações de diplomas legais, nomeações de membros do Governo e de altos cargos públicos, etc.);
- Este Senado seria composto por 30 senadores, 10 dos quais eleitos por um círculo nacional (reservado exclusivamente a listas, partidárias ou não, de âmbito nacional); e 20 eleitos em círculos uninominais (pelo sistema maioritário a duas voltas) representando cada senador 5% dos eleitores do país;
- Com este modelo os partidos tinham que assegurar cerca de 7 ou 8% para conseguirem fazer eleger um seu representante e, por outro lado, nos círculos uninominais os senadores (representantes de partidos ou independentes, é indiferente) ficariam directamente vinculados aos respectivos eleitores;
- Eleição de uma assembleia legislativa com 150 deputados, sendo 50 eleitos num círculo nacional (o que iria assegurar que cada força política elegeria pelo menos um representante com pouco menos de 2% dos votos); e 100 círculos uninominais correspondentes, cada um, a 1% dos eleitores (os deputados seriam eleitos de forma similar à descrita para os senadores).
Com este ou outro modelo similar ficavam salvaguardados vários aspectos, nomeadamente a tão necessária estabilidade governativa e, não menos importante, a imperiosa separação efectiva dos poderes executivo e legislativo. Por outro lado, acabava-se com o endeusamento da figura "real" do Presidente, o qual seria escolhido pelos eleitores mais pelas suas qualidades de executivo do que por presidências abertas ou rondas disto e daquilo. Finalmente, senadores e deputados eleitos em listas uninominais seriam directamente responsabilizados pelos seus eleitores; enquanto que os eleitos em listas nacionais representariam sensibilidades doutrinárias organizadas (partidos, portanto), estando assegurada a eleição de representantes de pequenos partidos (2% no parlamento) e, por outro lado, a representatividade relevante no senado (10%).
Fica o contributo.
0 Comentários:
Enviar um comentário