quinta-feira, 2 de abril de 2009

Campo Aberto

O poema "Campo Aberto" foi publicado em 1951, altura em que o seu autor, Sebastião da Gama, integrava o quadro da Escola Industrial e Comercial de Estremoz. Em homenagem ao autor – precursor de práticas pedagógicas "arrojadas" para a época – o jornal da Escola passou a denominar-se, justamente, Campo Aberto. Mais tarde, com a reforma Leite Pinto – Galvão Teles (1967), quando o Ciclo Preparatório do Ensino Técnico se fundiu com o seu homólogo liceal, a Escola Preparatória então autonomizada da Escola Técnica (ainda que partilhando a mesmas instalações) escolheu para patrono o nome de Sebastião da Gama. Escolhas justas e inteiramente merecidas.

Em 1972, o meu primeiro contacto com o Campo Aberto não foi com o poema, foi com o jornal antecessor do actual "Notícias da Rainha". Ler notícias sobre personagens que víamos todos os dias fascinava-me, assim como me deliciava com a poesia, a sátira, as anedotas ou meros relatos de situações engraçadas que vivíamos no dia-a-dia. Aqueles que ousavam escrever um artigo técnico eram elevados à condição de divindades intelectuais. Por outro lado, eu estava na Escola Sebastião da Gama, mas Sebastião da Gama não era nada para mim para além do nome da escola. Foi mais tarde que descobri a razão de ser daqueles… "nomes".

Sebastião da Gama era natural de Vila Nogueira de Azeitão. Aos 14 anos foi-lhe diagnosticada a tuberculose óssea que iria custar-lhe a vida. Ciente que iria ter uma morte prematura interiorizou a sua sina exaltando a natureza e a vida de forma exuberante. Pode ter sido curta, mas viveu-a intensa
mente, apesar de ter sempre a morte a pairar por perto. O "Poema da minha esperança" é exemplar: «Que bom ter o relógio adiantado/…/ Tic-tac…/ (Como eu rio, cá p'ra dentro/ de esta coisa divertida: / ele a julgar que é já o resto/ e eu a saber que tenho sempre mais/ três quartos de hora de vida)».

A Estremoz chegou em 1950, após ter concluído a profissionalização como professor do ensino técnico. Foi na EICE que se estreou como "efectivo". A ligação a Estremoz ficou bem patente tanto nos seus poemas como no seu Diário. "Estremoz é boa terra. Ou então é defeito meu". A paisagem de Estremoz inspirou-o ao ponto de escrever "Aonde estou não há Outono". No entanto uma das descrições mais extasiantes foi feita pela sua esposa alguns anos após a sua morte. Foi quando ela viu "nascer" um poema. «Era dia de S. João (24Jun951). Estávamos em Estremoz. Saímos da cidade e subimos a um pequeno monte. (…) A tarde começou a descer, e eu ouvia um sussurro. (…) A certo momento, olhou-me nos olhos e recitou-me "Crepuscular"».
Sebastião da Gama escreveu várias "Cartas de Estremoz" para o Jornal do Barreiro e, pelo menos 3 vezes, no Brados, a última das quais foi publicada 4 dias antes de morrer. A 5 de Fevereiro de 1952 deixou definitivamente o "Largo do Espírito Santo, 2 – 2.º" rumo ao Hospital de S. Luís, em Lisboa, onde viria a falecer após 2 dias de intensa agonia. Tinha 27 anos.

5 Comentários:

Pensandonotempo disse...

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http://pensadornotempo.blogspot.com/

Hernâni Matos disse...

Amigo Ramalho:

Lembro-me desse fatídico dia 5 de Fevereiro de 1952, como se fosse hoje. Lembro-me de ele, meu vizinho, partir para uma viagem sem regresso.
Eu, hoje com 62 anos, um metro e noventa de altura e mais de cem quilos de peso, era um puto que usava bibe e andava numa Mestra, a Menina Teresinha, percursora das actuais Educadoras de Infância e que dava Escola, nos baixos da Casa de Sebastião da Gama.
No Largo do Espírito Santo (Quem é o espírito que acode ao Largo?), eu e os putos como eu, jogávamos aos amalhões, à pateira, ao botão e ao peão, que o sofwware da altura não dava para mais.
Eu, que na época tinha veleidades ciclistas, andava de triciclo no passeio em frente da Casa do Sebastião da Gama, que me conhecia muitíssimo bem e que por vezes me fazia uma festa na cabeça, como se faz aos miúdos, sem maldade nenhuma.
Ainda guardo um desdobrável impresso a sépia com a sua foto e uma cabeça de Cristo crucificado, com poemas seus, que após a sua morte, foi oferecido aos amigos e aos vizinhos, em Sua Memória.
Em 2001, como dirigente da Associação Filatélica Alentejana e com o companheirismo e cumplicidade do Conselho Directivo (Que belos tempos e que saudades, Laurinda, Francisca e Rosalina!), organizei nos ginásios da ESRSI, uma Exposição Filatélica Luso-Espanhola, apoiada também pela Câmara de então, pelos Correios e pela Federação Portuguesa de Filatelia. Num dos dias da Exposição funcionou no local da Exposição, um posto de Correio com um carimbo comemorativo, reproduzindo o busto de Sebastião da Gama. Foi uma actividade com ligação à área Disciplinar de Português e ao Grupo de Poesia da ESRSI. Lembras-te, Fátima Crujo? Parafraseando José Mário Branco, apetece-me dizer que a Poesia é uma arma contra a indiferença. E que é preciso ser usada amiúde, para abalar consciências e rasgar novos horizontes.
Ramalho:
Os textos que referes de Sebastião da Gama, estão disponíveis em ESTREMOZ DO PASSADO e alojados em ESTREMOZ CULTURA, web site da Associação Filatélica Alentejana, no endereço http://www.hernanimatos.com/estremozdopassado.htm . Cinquenta e seis anos depois, é o modesto contributo do puto-ciclista que impunemente andava de triciclo frente à casa do Sebastião. E que ao contrário do que Veloso ouviu de Camões no Canto V dos Lusíadas, jura que nunca ouviu do Poeta o comentário. "Ouve lá, Hernâni amigo, este passeio é melhor de descer que de subir!".

Um abraço do:

Hernâni Matos

Pelourinho de Estremoz disse...

Adorei. Que pena não ser desses tempos...

Pelourinho de Estremoz disse...

Boa Páscoa

António J. B. Ramalho disse...

Obrigado. Boa Páscoa a todos!

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