Quando as pessoas são inquiridas sobre aquilo que mais as preocupa ou que gostariam de ver melhorado as respostas são, de uma maneira geral, consonantes com as situações sentidas por cada um dos respondentes. Assim, os desempregados falam do flagelo do desemprego, os idosos dependentes e seus familiares falam da falta de estruturas de apoio à terceira idade, os que estão doentes ou os que têm a responsabilidade de apoiar alguém que lhes é próximo, falam da reduzida eficiência e eficácia do nosso sistema de saúde.
Começo por falar de saúde. Quando surgiu o cartão de utente, admito que pensei que iria trazer inequívocos benefícios para o sistema de saúde. Hoje (e enquanto a filosofia que inspira a sua utilização não for alterada) assistem-me fundadas dúvidas. De facto, a utilidade do mesmo esgota-se no apoio na área administrativa na admissão de doentes. A partir daí acabou-se. Apesar da tarja magnética conter as informações essenciais sobre o utente, elas não permitem o acesso à ficha clínica do mesmo, na qual deveriam constar todas as informações relevantes, desde as enfermidades de que foi vítima, os tratamentos a que foi sujeito, a medicação que lhe foi prescrita, quando e por quem. Apesar de vivermos no século XXI, apesar de a informática estar a dar contributos inexcedíveis em todas as áreas, gerando inequívocos ganhos de eficiência e eficácia, não existe uma base de dados a que os médicos possam aceder para os ajudar no diagnóstico e tratamento dos seus pacientes. Assim, por vezes, vemos pessoas a padecer mais dos efeitos dos tratamentos do que das maleitas originais, apenas porque os clínicos para sanarem uma qualquer enfermidade prescrevem medicamentos que geram efeitos colaterais, nomeadamente hepáticos, renais, cardíacos ou gástricos. Mais: já aconteceu que uma mera alergia a um determinado composto químico ter sido a causa de morte do paciente. Deveria ser inacreditável mas, infelizmente, não é.
O cartão de utente pode também permitir inequívocos ganhos económicos no sistema. Tenho conhecimento de um paciente ter feito uma TAC no Hospital de Portalegre e de, quinze dias depois, os médicos do Hospital de Évora estarem preparados para fazer outra. É absurdo. Se os dados do diagnóstico estivessem disponíveis no sistema informático, tal hipótese nem sequer passava pela cabeça de ninguém. Outro exemplo tem a ver com a escandaleira derivada das Conferências Médicas patrocinadas pelas companhias farmacêuticas, invariavelmente realizadas em destinos turísticos apelativos. Neste contexto, não se estranha que muitos médicos se oponham à medicação por princípio activo, impedindo a substituição por medicamentos genéricos nas suas prescrições. Se todas as prescrições deixassem "rasto" no sistema nacional de saúde, então era possível responsabilizar. Assim, vale tudo, inclusivamente fraudes com doentes e doenças fictícios que todos nós pagamos.
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