sexta-feira, 6 de outubro de 2006

Venturas e desventuras no reino da fantasia

Ainda se ouviam os acordes dos Pink Floyd plenos de actualidade, “Money! Get away…”, quando Portugal viveu os efeitos do choque petrolífero de 1973. Por essa altura a gasolina subia de preço de forma vertiginosa todas as semanas, de 7$50 passou rapidamente para mais de 12$00 (uma subida de mais de 60%, em apenas alguns meses). O povo desesperava, a interrogação mais frequentemente ouvida era: “– Onde é que isto vai parar?”
Mas, lá está, os portugueses sempre souberam rir-se da adversidade e cá pelo burgo, no corso carnavalesco seguinte, parodiou-se com isso: “– Próxima semana gasolina mais barata: 7$50 o meio-litro!”. Não havia razões para temer a censura: era Carnaval, logo, ninguém podia levar a mal. As pessoas riam. Bem, alguns levaram o seu tempo a perceberem a piada. Lembro-me de um sujeito explicar a outro que agora quando fosse à bomba o primeiro meio-litro era mesmo mais barato, o segundo é que já era mais caro.
Este episódio veio-me à memória a propósito dos escalões da água de consumo em Estremoz. De facto, recentemente, a forma como passou a ser cobrada a água alterou‑se. O propósito inicial até era louvável dado que, antes, na era Mourinha, toda a água era cobrada ao preço do último escalão de consumo. Mesmo já no final do mandato, a anterior administração municipal ainda encetou uma ligeira nuance, fazendo com que todos pagassem os primeiros 4 metros cúbicos (em 2 meses) a um preço mixuruca. O actual executivo, quis acabar com tal injustiça. No actual sistema todos pagam os primeiros consumos ao mesmo preço médio, já que a tarifação ocorre, efectivamente, por escalões. Vai daí, restava apenas ajustar o preço de cada escalão em função da inflação.


E aí está o resultado na tabela anterior. De 16 para 17 cêntimos ou de 85 para 87 cêntimos a diferença é, de facto, mínima. Só há um pequeno detalhe: os actuais escalões correspondem a metade do volume dos anteriores. Resultado final: aqueles que consomem até 5 metros cúbicos por mês viram a sua factura agravada em 78%.
Questionado sobre este assunto na última reunião da Assembleia Municipal o presidente disse, e passo a citar com o devido destaque: “– …!” (fim de citação). Afinal ele sabe que, como alguém dizia, “mais vale ficar calado e parecer tolo do que falar e não deixar qualquer margem para dúvidas!”. Questionado sobre onde estavam registadas as dívidas de factoring, de que reincidentemente se queixa, ele disse exactamente o mesmo (não me obriguem a citar por causa da falta de espaço).
Em sua defesa acorreram pessoas que, menos experimentadas, desconhecem a citação anterior. Disseram que eram as “meias verdades” desta coluna que andavam a mentir e que a derrama só afecta as empresas com lucros. Pois bem, para quem vive no reino da fantasia, faço apenas duas recomendações: (1) perguntem às pessoas se andam, ou não, a pagar mais pela água; (2) perguntem aos empresários abrangidos pelo regime simplificado de tributação se não tiveram que pagar derrama, mesmo evidenciando prejuízos.
Repare‑se que nem sequer estão em causa as políticas adoptadas. Têm virtudes e defeitos como todas. O que esteve em causa quando escrevi as “meias verdades” foi faltar‑se à verdade, pensava eu, de forma deliberada.
Mais preocupado fiquei quando percebi que eles nem sequer faltaram à verdade com intenção. Não sabiam!

[Publicado na edição de 6 de Outubro de 2006 do Jornal Brados do Alentejo (
http://bradosdoalentejo.com.sapo.pt)]

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