Costuma dizer-se que quem conta um conto acrescenta um ponto. Às vezes, nem é por mal nem por qualquer intenção deliberada de distorcer a verdade. Quando, involuntariamente, alguém reproduz a terceiros um relato de forma diferente da original, tal pessoa poderá ter sido vítima de um erro de percepção que a Psicologia tipifica de várias formas: (1) acentuação perceptiva – quando as pessoas interpretam de forma exagerada a mensagem recebida –; (2) defesa perceptiva – quando o subconsciente bloqueia uma informação inesperada ou improvável –; (3) selectividade perceptiva – quando o cérebro apenas vê o bom ou o mau, o que se teme ou que se deseja, o que se gosta ou o que se detesta, desprezando os elementos da informação em sentido contrário –; e, finalmente, (4) a distorção perceptiva – a qual ocorre quando o verdadeiro significado da mensagem não é adequadamente percebido e acabada reinterpretado de acordo com a forma que faz sentido para o receptor da mesma.
A lenda que vos vou contar – como qualquer lenda – mistura factos históricos, narrados pelas crónicas da época, com outros alegados acontecimentos, não comprováveis, cujos relatos podem ter sofrido alterações à medida que iam sendo repassados oralmente de geração em geração. Esta história ouvia-a do meu pai. Do mesmo modo, também ele a terá ouvido a outros ainda mais antigos…
Trata-se de um relato de uma batalha em que esteve envolvido Nuno Álvares Pereira. Ao que parece, quando este e o seu pequeno exército saíram ao encontro dos invasores espanhóis, já estava consciente que a mera bravura dos seus homens poderia não ser suficiente para levar a bom termo a contenda. Portanto, havia que compensar com astúcia a desvantagem em número e em armamento em relação às forças invasoras. Assim, usou o escudeiro espanhol que lhe propôs a rendição e a passagem para o lado espanhol para montar o ardil. A artimanha foi responder de forma provocatória aos espanhóis impelindo-os a saírem ao seu encontro. Tal permitiu que Nun’Álvares escolhesse o terreno para o confronto, elegendo uma várzea alagadiça junto a uma ribeira dissimulada por vegetação alta. Para dar a ideia de que estava a dar descanso às suas tropas, mandou apear a sua cavalaria, ocultou lanças no solo não visíveis de quem vinha à carga a galope e, ao mesmo tempo, emboscou os seus archeiros de ambos os lados do vale. Quando a cavalaria adversária se atolou na várzea sofreu pesadas baixas, quer pelo efeito das lanças ocultas quer pelas flechas dos archeiros. Tal facto criou desânimo nos adversários, levando-os a debandar. O lugar da contenda chama-se hoje Atoleiros.
Após a batalha, Nun'Álvares saciou-se na água ensanguentada da ribeira. Quando lhe perguntaram como era a água naquelas condições ele terá dito: É bela! Tal ribeira chama-se hoje, Ribeira das Águas Belas.