quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Miríade de disparates

"Engraxadores sem caixa
há aos centos na cidade,
que só usam da tal graxa
que envenena a sociedade."


António Aleixo não era letrado mas era, sem margem para dúvidas, um digno representante da sabedoria popular. Se bem que raros são capazes de transpor para a rima tão eloquentes lições de vida, a verdade é que a generalidade dos nossos concidadãos consegue interpretar de forma clarividente a realidade que os rodeia, mesmo não tendo títulos académicos (ou outros) para exibir. Somos inteligentes, logo somos capazes. Contudo e apesar disso, as pessoas podem ser enganadas e, concomitantemente, as suas opiniões serem manipuladas. Para o efeito, basta que haja quem, sem escrúpulos e deliberadamente, lhes oculte a informação que os habilitaria a interpretar correctamente os fenómenos e se aproveite da boa-fé dos cidadãos para os empurrar para conclusões distorcidas.

A crónica desta semana tem a ver exactamente com tais distorções da realidade. Aliás, escolhi a palavra "miríade" justamente para conferir um grau superlativo aos disparates ainda maiores que ouço e leio. Preocupante mesmo é, para além de alguém dizer disparates, haver outros que sem rebuços os divulgam de forma ostensiva e manifestamente abusiva. Como é óbvio, refiro-me à cultura dominante de alguma comunicação social, a mais uns quantos fazedores de opinião e, finalmente, aos "spin doctors" (expressão em inglês que já traduzi como sendo aquelas pessoas cuja única função é dizer bem de outras e a que António Aleixo chamaria "engraxadores"). Posto isto, vamos aos factos: Sócrates declarou aos jornalistas que desde a sua entrada em funções em 2005 já tinham sido criados 106 mil empregos em Portugal. Que maravilha! Como tinha prometido criar 150 mil, então facilmente se conclui que já estão cumpridos mais de 2/3 do objectivo anunciado. Ora bem, toda a gente com ½ dedo de testa sabe que Sócrates está apenas a tentar induzir conclusões erróneas nas pessoas pouco informadas. Está, digamos, a ver se cola. O que Sócrates não disse foi que no exacto período a que se referiam as estatísticas a taxa de desemprego corrigida da sazonalidade passou de 7,4% para 8,3% e que, ainda nos mesmos períodos, o desemprego na Zona Euro passou de 9% para 7,4%. Ou seja, enquanto que no conjunto da Zona Euro (e para a qual Portugal deu maus contributos) o desemprego foi reduzido em 1,6 pontos percentuais, em Portugal este aumentou 0,9 pontos percentuais. Que Sócrates vá dizendo destas e doutras ainda vá que não vá, afinal já estamos habituados. Agora que alguns órgãos de comunicação social façam ressonância dos pregões sem os corrigirem e enquadrarem já é preocupante. Muito mesmo. Afinal se lemos diários e semanários, se ouvimos rádios e televisões é para estarmos informados e não desinformados. Será que não há ninguém disponível para repor os factos no seu devido lugar? Termino como comecei, com a sabedoria de António Aleixo:


"P'ra a mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem de trazer à mistura
qualquer coisa de verdade"

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Nada será como dantes

A semana que passou foi rica em acontecimentos que, para mim e para muitos, foram novos. Por exemplo, nunca tinha visto "saltar a tampa" ao Rei de Espanha. Juan Carlos de Borbón pode não ser um santo – aliás, há quem garanta que não, nomeadamente aqueles que conheceram a sua juventude irreverente passada no Monte Estoril, onde alternava bailes requintados com a frequência de estabelecimentos mal afamados – mas habituámo-nos a vê-lo como pessoa cordata e conciliadora. "Porque não te calas?" disse ele a Hugo Chávez interrompendo-lhe a interrupção que o segundo fazia, com a sua habitual deseducação, à intervenção de Rodríguez Zapatero. Depois soube que Bento XVI passou uma reprimenda aos Bispos portugueses, como se estes tivessem furado o pudim com um dedo. Ao que percebi, Sua Santidade responsabilizou o clero nacional, entre outras coisas, pela crise de vocações e pela perda da influência da Igreja. Pareceu-me injusto o reparo. Seguidamente, vi os "anarcas" da República Checa a darem um enxerto de porrada aos neo-nazis daquele país, quando estes últimos se preparavam para fazer uma "visita de cortesia" a um bairro judeu. Habituados a distribuir "fruta" sobre cidadãos indefesos, desta vez os skins saíram-se mal, já que a "sobremesa" foi inteirinha para eles. Por cá, ouvi Manuel Monteiro a convidar "para a rua" os militantes da Nova Democracia que subscrevem mensagens xenófobas e racistas. Achei bem. Finalmente vi algo que não é propriamente novo: José Sócrates escovou mais uma vez o seu interlocutor do PSD na Assembleia da República. A novidade aqui não está na escova, está no interlocutor. De facto, até aqui pensava-se que se deixassem Santana Lopes falar "não o levavam preso". Afinal, o homem falou mas não ganhou nada com isso. Tal como Marques Mendes já fazia, também vai passar a ter de levar "uma cortiça nas costas" quando for à Assembleia. De nada adianta falar, mesmo dizendo verdades irrefutáveis, quando se tem por antagonista uma pessoa que, sem escrúpulos, ignora todas as questões que lhe são dirigidas e prefere apostar naquilo que sabe que a imprensa irá destacar, que no caso eram as alegadas fragilidades de Santana Lopes. Sócrates saiu divertido com a sua performance. Iludiu tudo e (quase) todos uma vez mais. Talvez ainda não tenha percebido que, conforme dizia Abraham Lincoln, "podes enganar todas as pessoas durante algum tempo, podes até enganar algumas pessoas o tempo todo; o que não podes é enganar todos durante todo o tempo". Não há mesmo dúvida que o seu exemplo inspirador se chama Cavaco Silva que é, nem mais nem menos, o homem que "fez a folha" a Santana e que, ao mesmo tempo, pensa ele, também enganou quase todos.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

1.Tratado de Lisboa; 2. Intenções de voto; 3. Investimento modelar

O Tratado de Lisboa

A Cimeira de Lisboa foi considerada, tanto pela imprensa como pelo cidadão comum, um sucesso para a presidência portuguesa da União Europeia. Relativamente ao acordo conseguido sobre o Tratado Reformador um nosso concidadão diria: "Dizem-me que foi uma coisa assim a modos que importante… histórica, sei lá!".

Agora que já fiz a introdução deixem que vos confesse uma coisa: também sei muito pouco (a bem dizer, quase nada) sobre o que se passou na Cimeira de Lisboa. Mesmo assim também digo que sim, que foi importante. Não estou a ironizar com a situação. A verdade é que já não me consigo imaginar a ter de parar no Caia para ir a Badajoz, a ter de pagar taxas alfandegárias ou comissões cambiais. Reerguer fronteiras na Europa já não faz sentido. Portanto, se é o tratado reformador que me garante que a União Europeia vai continuar a consolidar-se, sou a favor. Mesmo sem conhecer os detalhes do texto aprovado.

Só não percebo a razão pela qual se teme referendar o Tratado. Será que os portugueses eram capazes de "morder" na mão de quem nos tem apaparicado com tantos milhões de euros?

Intenções de voto.

Apesar dos sucessos atribuídos a Sócrates na presidência da União Europeia, as primeiras sondagens de opinião pós-cimeira de Lisboa, tanto a da Universidade Católica como a da Marktest, conferem uma subida acentuada das intenções de voto ao PSD, a maioria delas por transferência de eleitores que votaram PS nas últimas legislativas. Será caso para dizer que "Santos da terra não fazem milagres"? Talvez. Ou será que a explicação está na mudança de líder no principal partido da oposição? Talvez também (até porque Marques Mendes nunca foi levado a sério). Penso no entanto que, pelo menos para já, o "sucesso" do PSD funda-se fundamentalmente no demérito da política social e económica do Governo.

De facto, não basta imitar os tiques de Cavaco. Não chega adoptar políticas aparentemente corajosas. É preciso que tais políticas sejam consequentes, que mostrem resultados visíveis que levem os portugueses a reconhecerem que os seus sacrifícios valeram a pena. No tempo de Cavaco, goste-se ou não dele, sempre crescemos acima da média da União Europeia. Isso não está a acontecer agora e nem sequer se pode usar como álibi uma qualquer recessão económica generalizada. Temos, sim, a maior carga fiscal de sempre: 35% do PIB (incluindo neste cômputo a Segurança Social).

Investimento modelar

No passado houve quem pensasse que a riqueza provinha fundamentalmente da terra. Depois, pensou-se que era da indústria. Ora aí está uma das poucas questões em que não tenho dúvidas: a riqueza de uma região provém de toda e qualquer actividade sustentável que crie postos de trabalho. Estremoz fica mais rica depois de o Modelo abrir.

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