domingo, 26 de novembro de 2006

1. Distância hierárquica; 2. Percepções e realidade

  1. Confesso que tenho alguma dificuldade em lidar com este fenómeno. Expliquemo-lo primeiro. Distância hierárquica, em palavras simples, traduz-se nas vénias aos doutores e engenheiros, na adulação dos chefes, pelas pessoas deixarem de dizer o que efectivamente pensam aos “superiores” para passarem a dizer aquilo que acham que eles gostariam de ouvir. Trata-se de um fenómeno cultural em que as pessoas se consideram, à partida e por natureza, desiguais. Neste contexto, os títulos, o status, a imagem projectada, constituem o elixir do sucesso social. As pessoas mostram‑se capazes de uma grande reverência por quem tem poder ou autoridade, ao mesmo tempo que são capazes duma severidade extrema para aqueles que se encontram ao mesmo nível, procurando rebaixá-los sempre que acham que… “se estão a armar”.
    Bom, mas porque falo disto hoje? Porque sempre pensei que este fenómeno estava ligado ao nosso crónico défice de escolaridade e, por conseguinte, que à medida que as pessoas fossem ficando mais instruídas ele se fosse esbatendo e, tendencialmente, desaparecendo. Porém, cada vez mais vou pondo esta perspectiva em dúvida. Apesar da sociedade portuguesa estar mais letrada, nem por isso se assiste a um maior exercício da cidadania. Pedir favores, meter cunhas, ficar em graça, são fenómenos que continuam a prevalecer relativamente a reclamar direitos. E se as pessoas pensam e agem assim é porque deve dar frutos. Deve ser melhor que barafustar. Vai na volta, a distância hierárquica acaba por revelar‑se, afinal, um exercício calculista calibrado por um apertado controlo das emoções.
  2. “Percepções e realidade” é o título do livro de Santana Lopes apresentado no princípio desta semana. À primeira oportunidade, vou ler. Sempre vou querer perceber se as suas “percepções” lhe permitiram antever a “realidade” com que se veio a confrontar.
    No lançamento, Santana Lopes já deixou um ar da sua graça: deu a entender que para Cavaco chegar a Presidente teria de, primeiro, se livrar dele à frente do Governo.
[Publicado na edição do Jornal "Brados do Alentejo" de 17 de Novembro de 2006 (http://bradosdoalentejo.com.sapo.pt/)]

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Não sei se vos diga se vos conte

Ele há coisas… senhores! Não sei se vos diga se vos conte. Mas conto, pronto, o que se passou foi isto:
Há dias houve ali no Salão Nobre uma reunião do Conselho Municipal da Educação. Então não é que apareceu lá um marmelo armado em carapau de corrida. Ele há gente mesmo bera, do piorio.
Mas vamos ao que interessa. Primeiro, o velhaco teve a lata de entrar e passado um bocado pisgou-se, dizendo que lhe tinha acontecido um “imponderável” – há pois, o gajo tem a mania de usar palavras de 7$50. Quer dizer, os outros todos tiveram que estar na reunião o tempo todo, enquanto que o pirata, fresquinho que nem uma alface, voltou só no fim e logo para armar estrilho. Vejam bem, já toda a gente estava cansada, (afinal, tinham estado a analisar um documento com 278 páginas), quando o caramelo começou a espingardar.
O que vale é que o Sr. Presidente é um Santo, com paciência de Job, e aturou aquilo tudo sempre bem disposto.
Então não é que o gabiru veio para ali armar-se aos cágados a dizer que o Conselho Municipal de Educação devia ter participado na elaboração da Carta Educativa do Concelho de Estremoz? Até parece que não há gente na Câmara muito mais capaz que ele. Depois não se ficou por aqui, teve a lata de insinuar que aquele documento estava… estava… como foi que ele disse? ah, já sei, (já não me lembro é se foi ainda lá dentro ou já cá fora) o fulano disse que o documento estava “plagiado”, que é como quem diz, “copiado”, que não fazia… como é que era? pois, que “não fazia referência às fontes” – a meter água esteve ele o tempo todo – e que era um mau exemplo para todos. Que a Carta Educativa tinha erros... daqueles dos ditados, estão a ver? e que tinha também erros doutro tipo. Enfim, eu sei lá o que sujeito para lá disse. Maldizente, foi o que foi.
Mas é claro, naquela reunião estavam muitas pessoas importantes e elas saíram logo em defesa do Sr. Presidente. Então o tipo estava ali a armar-se ao pingarelho e não levava logo uma resposta não? Era o que faltava. Deram-lhe na corneta e bem.
Então não é que o gandim não teve respeito por ninguém? Respondeu mal a essas pessoas… Bom... mal é como quem diz, mas esteve mal, pronto, quase dava ares de que querer pôr‑se ao nível das pessoas importantes, não soube ficar no seu sítio. Deu para ali exemplos como se os outros fossem Tonhos. Tonho é ele, o estupor.
Mas, afinal, quem é que ele pensa que é?

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

Perspectivas

Convido-vos a olharem para a imagem seguinte…

Certamente todos conseguiram ver duas coisas: um bando de aves e um rosto com o cabelo esvoaçante. Afinal a imagem é composta justamente por aves, as quais, em face da forma como foram desenhadas (arrumadas), compuseram um rosto feminino.
Mas não, o tema de hoje não é a Gestalt (termo intraduzível do alemão, utilizado para abarcar a teoria da percepção visual baseada na psicologia da forma). Recorri a este exemplo apenas para ilustrar que a mesma realidade pode ser interpretada de maneiras diferentes. É tudo uma questão de perspectiva.
Em muitos casos, a conflituosidade entre as pessoas resume‑se a isto: são incapazes de ver as coisas segundo a perspectiva dos outros. Havendo interesses em jogo, é no confronto que tudo se resolve. Tal como na selva, é a lei do mais forte que prevalece. Uns ganham, outros perdem, mas, no fim, todos lambem feridas.
Estas leis têm particular aplicação no domínio laboral. Se o patrão vir o empregado apenas como um recurso, facilmente será levado a pensar que quanto mais lhe pagar menos ele próprio ganha. Por sua vez, se o empregado vir o empregador como alguém que apenas pretende dele a sua força e criatividade, facilmente será levado a pensar que não deve oferecer à organização mais que o mínimo que lhe garanta a preservação do seu posto de trabalho. Se o fizer, está a ser parvo, ao permitir que outros engordem com o fruto da sua generosidade. Deste jogo de forças – em que uns querem muito trabalho a troco de pouco dinheiro; enquanto que os outros querem muito dinheiro a troco de pouco trabalho – estabelece‑se aquilo a que eu chamo “o equilíbrio fatal”, porque todos ganham o mínimo.
Mas as coisas não têm de ser, necessariamente, assim. Admitamos que ambos reconhecem que cada um quer o melhor que for possível para si próprio. Admitamos que o empregador está disponível a pagar mais se também ele ganhar mais. Admitamos finalmente que o empregado está disponível a dar o melhor contributo de si próprio se enriquecer em conjunto com o empregador. Que irá daqui resultar? A resposta é simples: todos ganham mais.
Esta é a essência do ad valorem.
[Publicado na edição do Jornal "Brados do Alentejo" de 03 de Novembro de 2006 (http://bradosdoalentejo.com.sapo.pt)]
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