Tudo começou com Cavaco Silva quando disse, no dia 25 de Abril, que as "forças políticas devem ter presente que sobre elas recai a grande responsabilidade de encontrar soluções de governo". Dois dias depois, instada por Mário Crespo a comentar estas declarações, Manuela Ferreira Leite revelou uma autenticidade pouco comum nos dias que correm, ao responder, em tese e em abstracto, que se sentiria confortável com qualquer solução em que acreditasse, sem excluir, em concreto, um eventual entendimento com o PS. E pronto, desde então nunca mais se deixou de falar de um hipotético regresso do denominado Bloco Central, apesar de, no dia seguinte, a líder do PSD ter clarificado não desejar qualquer acordo com Sócrates.
Mais recentemente, também José Sócrates considerou o bloco central "uma ilusão". Para ele a única saída está numa maioria absoluta do PS, já que esta é "a melhor forma de garantir a estabilidade política", reeditando a mensagem de Cavaco, em 1991, quando pediu uma "maioria clara" como forma de assegurar a governabilidade do país. Ainda que noutro contexto, dizia há dias Adriano Moreira – aliás citando uma frase de Jonh Acton proferida ainda no séc. XIX – que "o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente". Se alguém tem dúvidas da exactidão desta frase, estou em crer que os tiques autocráticos que Sócrates tem revelado podem ajudar a desvanecê-las.
Por outro lado, a ideia de um eventual bloco central para evitar este cenário é igualmente deprimente. Se os partidos que habitualmente alternam no poder se aliarem, as alternativas que restam são os demais partidos que, por ora, não têm merecido a confiança da maioria dos portugueses. É como mandar apagar a luz ao fundo do túnel.
Posto isto, ficamos perante um dilema: o que preferimos nós, a estabilidade ou a instabilidade política? Pela parte que me toca, já o disse e escrevi por várias vezes, continuo a entender que a nossa arquitectura constitucional é a principal culpada de toda esta celeuma. Sem maiorias parlamentares não há estabilidade governativa e, em contrapartida, quando existem, não há freios e contramedidas que impeçam o poder absoluto de um só partido, quiçá de uma só pessoa, porque não existe uma efectiva separação dos poderes executivo e legislativo. Insisto: não havia necessidade de sermos forçados a esta escolha. No presidencialismo a estabilidade governativa estaria garantida. Cada mandato duraria 4 anos e nada nem ninguém impediria que assim fosse. Por outro lado, teríamos um parlamento que, sendo independente do governo, garantiria os direitos fundamentais do cidadão e preveniria os abusos de poder.
Elegendo o presidente em 2 voltas teríamos também direito à segunda escolha e, desse modo, a optar pelo menor dos males. Como Régio no "Cântico Negro" poderíamos dizer: «não sei por onde vou, sei que não vou por aí!»
Publicado na edição do Brados do Alentejo de 14 de Maio de 2009