Em crónica anterior – intitulada "A queda das máscaras" – referi-me ao emergir da tensão entre Cavaco Silva e José Sócrates. Por essa altura, estávamos em Setembro, as partes envolvidas ainda faziam questão de manter as aparências, desvalorizando os episódios que evidenciavam o desentendimento. Hoje, as questões colocam-se de forma diferente. Tudo leva a crer que as gentes de Sócrates vêem a divergência com o Presidente mais como uma oportunidade a explorar do que como uma ameaça a evitar.
Vamos ver se nos entendemos: alguém acredita que a questão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores vale uma afronta a Cavaco Silva? Eu antecipo uma resposta: em circunstâncias normais, não! Os riscos daí decorrentes seriam maiores do que os potenciais benefícios. Cavaco não gostava? Ok, então ele "que levasse a bicicleta". E assim foi inicialmente.
Porém, entretanto surgiu a crise financeira internacional, a qual está a gerar efeitos na economia real que ainda não se sabe bem onde irão parar. Os sinais de que se trata de algo bem grave estão bem patentes na queda vertiginosa da cotação do petróleo e na baixa apressada das taxas de juro por parte das autoridades monetárias. Ora, estas já não são circunstâncias normais, pelo que neste contexto uma briga com o Presidente até vinha mesmo a calhar. Assim, tudo aponta que o PS venha a devolver o diploma (politicamente vetado) a Belém sem alterar uma vírgula. A confirmar-se este cenário, restam a Cavaco duas alternativas: (1) ou come e cala; ou (2) faz escabeche e cai no engodo de Sócrates.
Santana Lopes já topou o filme e de imediato denunciou: Sócrates quer antecipar as eleições legislativas! Por isso, prefere agora provocar polémicas artificiais às anteriores encenações de cordialidade institucional. Se, conforme se prevê, a crise económica vier a atingir o seu pico no decurso de 2009, Sócrates vê-se na contingência de ir cozendo em lume brando, não só por não conseguir atingir os objectivos que constituíram as suas bandeiras eleitorais, como também por o país poder vir a evidenciar indicadores económicos ainda mais macabros que os actuais. Portanto, neste contexto, a melhor prenda de Natal que Cavaco lhe poderia dar era demiti-lo ou, na falta de lhe melhor solução, dar-lhe razões para ele se demitir. Com as actuais sondagens e eleições lá para a Primavera ainda podia aspirar – com o Bloco de Esquerda se necessário fosse – a renovar o seu mandato político numa base de maioria parlamentar. Se for mais tarde as dúvidas adensam-se.
Trata-se, portanto, de jogo perigoso que, provavelmente, não vai resultar. Manda a tradição que os presidentes só sejam maus para os governos a partir do segundo mandato. Neste contexto, Cavaco irá preferir engolir um sapo de 10 quilos com as pernas abertas a fazer alguma coisa que ponha em risco a sua reeleição.
2 Comentários:
Depois de me deliciar com todas as letras que compõem a emancipação deste Blog, aproveito para dar os parabéns ao professor António Ramalho, e não vou perder e oportunidade de desejar a todos quanto se deliciam neste espaço de cultivo, um Natal repleto daqueles sorrisos que dispensam palavras e que exultam a saúde interior que há em nós!
Sobre o Jogo aqui referido e elucidado, reflecte bem a inteligência política que gere este nosso Portugal, acostumado a este tipo de Jogos…
Obrigado pelas palavras simpáticas António Prates.
Festas Felizes!
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