domingo, 18 de fevereiro de 2007

SENSIBILIDADE E BOM SENSO

Apesar do título da presente crónica lembrar o romance homónimo de Jane Austen, Sense and Sensibility, o seu conteúdo irá versar sobre questões do nosso quotidiano, mais especificamente, sobre o abate de árvores de grande porte em Estremoz. Permitam-me, contudo, que antes de passar ao cerne da questão justifique a razão de ser da escolha do título. Na obra de Jane Austen, as personagens principais são a Elinor, que representava a razão (sense), e a Marianne, que representava a emotividade (sensibility), as quais agiam de forma consonante com as respectivas personalidades.
A questão do abate de árvores de grande porte está intimamente relacionada com estas duas vertentes. Para haver sensibilidade não pode ser de ânimo leve que se destrói em minutos aquilo que levou décadas a criar. As árvores dignificam e embelezam o espaço urbano, conferem frescura, sombra, proporcionam ambiente, quer pelas interacções sociais que as pessoas estabelecem junto delas, quer pela orquestração melodiosa de sons da natureza. Em Portalegre, o Plátano – com P maiúsculo dada a sua condição de monumento – foi a primeira “sede” do Sport Club Estrela. Foi palco de celebrações eleitorais por ocasião da primeira República, testemunhou namoros, arrufos e até desacatos (paradoxalmente, em ocasiões de festas e romarias).
Por outro lado, as árvores por vezes também provocam ranço a algumas pessoas. Pelas mais variadas razões. Por terem pernadas ruidosas em noites de invernia, pela algazarra dos pássaros, pelas caganitas dos mesmos, por as suas folhas entupirem os algerozes, por as raízes alterarem a regularidade do pavimento ou danificarem as canalizações, pelas alergias ao pólen, por taparem o sol ou até por ocultarem o fogo de artifício. Quando se embirra com uma árvore, o que não faltam são razões que podem ser apontadas para justificar o seu abate ou poda excessiva (que, na prática, é equivalente a morrerem de pé). Manda o bom-senso que sempre que os malefícios causados pelas árvores excedam os seus benefícios que se actue, não para beneficiar alguém em particular mas sim para defender o interesse colectivo. Porém, quando a actuação implicar a destruição do património arbóreo, (o qual, por definição, integra a paisagem urbanística da cidade), era bom que não fosse justificada apenas pelo receio de perder ½ dúzia de votos dos queixosos. O que deve prevalecer é a vontade da maioria e é por isso que os instrumentos de gestão urbanística estão sujeitos a discussão pública. Abater árvores é uma acção demasiado séria para ficar à mercê de caprichos ou estados de alma.
Em Estremoz houve abates de árvores completamente injustificados. Estavam longe de casas, de condutas e de colectores. Tal acção foi determinada por meras decisões administrativas, não suportadas por planos legalmente válidos ou por estudos técnicos. Em Portalegre, com a mesma falta de sensibilidade e de bom senso, também tentaram derrubar o Plátano plantado em 1838. A diferença foi que aí o povo revoltou-se…




Publicado na edição de 23 de Fevereiro de 2007 do Jornal "Brados do Alentejo"


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