As últimas semanas foram marcadas por alguns factos dos quais destaco três. Passo a enumerar: (1) o acordo celebrado entre o PS e o PSD a propósito da Justiça; (2) o nó górdio que, felizmente, os eleitos republicanos nos Estados Unidos fizeram ao Presidente George W. Bush; e, finalmente, (3) o anúncio do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.
Os três temas estão todos relacionados com um quarto que, aliás, também já foi chamado a debate: a arquitectura do sistema político em Portugal.
No que concerne ao acordo celebrado entre o PS e o PSD as reacções ao mesmo foram variadas. Para alguns – entre os quais me incluo – o acordo em si (independentemente da substância do mesmo) constitui motivo de regozijo, porquanto demonstra que, ainda que por excepção, os partidos políticos são capazes de olharem para além do seu próprio umbigo. Para outros, tal acordo é sempre mau, na medida em que restringe os mecanismos da democracia ao excluir de tal entendimento os restantes partidos. Finalmente, para outros ainda, o acordo é igualmente mau porque se os partidos da área do poder convergirem numa qualquer solução que venha a revelar‑se mal sucedida, tal equivale a mandar apagar a “luz ao fundo do túnel”, minando a confiança dos eleitores no sistema democrático.
Nos Estados Unidos a actualidade foi marcada pelo facto dos eleitos do Partido Republicano se terem rebelado contra as propostas do seu Presidente que limitavam significativamente os direitos individuais (em nome da luta contra o terrorismo). A explicação de tal facto é simples: as eleições para o Congresso estão à porta e lá, ao contrário de cá, cada candidato responde perante o respectivo distrito eleitoral. Ou seja, ninguém se esconde atrás de siglas; os eleitores votam em pessoas que responsabilizam directamente. Neste contexto, Bush só podia mesmo era dar com os burrinhos na água.
Aparentemente o primeiro tema nada tem a ver com o segundo, porém, não é bem assim. Eu explico: a) se em Portugal houvesse deputados eleitos em círculos uninominais, dificilmente os líderes dos partidos poderiam subscrever pactos com o figurino daquele que foi anunciado; por outro lado, b) jamais um chefe de governo poderia ditar o sentido de voto dos eleitos de outro órgão de soberania, ainda que em listas do seu próprio partido. Alcançaram agora?
E o que tem isto a ver com o referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez? Nada, na substância, mais uma vez; tudo, no que concerne aos modelos de democracia representativa. Na verdade, as democracias referendadas são as mais genuínas. Assume‑se como pressuposto que o exercício da cidadania não é palavra vã e, por outro lado, que os eleitos não são divindades que tudo podem decidir por nós.
O estranho é que os partidos que até bem pouco tempo defendiam a democracia popular, ou seja, plenários com voto de braço no ar, sejam exactamente aqueles que se manifestam contra o referendo. Então agora já não querem consultar o povo? Ou é só porque tal voto é secreto?
[Publicado no Jornal "Brados do Alentejo" em 22 de Setembro de 2006 (http://bradosdoalentejo.com.sapo.pt)]
Os três temas estão todos relacionados com um quarto que, aliás, também já foi chamado a debate: a arquitectura do sistema político em Portugal.
No que concerne ao acordo celebrado entre o PS e o PSD as reacções ao mesmo foram variadas. Para alguns – entre os quais me incluo – o acordo em si (independentemente da substância do mesmo) constitui motivo de regozijo, porquanto demonstra que, ainda que por excepção, os partidos políticos são capazes de olharem para além do seu próprio umbigo. Para outros, tal acordo é sempre mau, na medida em que restringe os mecanismos da democracia ao excluir de tal entendimento os restantes partidos. Finalmente, para outros ainda, o acordo é igualmente mau porque se os partidos da área do poder convergirem numa qualquer solução que venha a revelar‑se mal sucedida, tal equivale a mandar apagar a “luz ao fundo do túnel”, minando a confiança dos eleitores no sistema democrático.
Nos Estados Unidos a actualidade foi marcada pelo facto dos eleitos do Partido Republicano se terem rebelado contra as propostas do seu Presidente que limitavam significativamente os direitos individuais (em nome da luta contra o terrorismo). A explicação de tal facto é simples: as eleições para o Congresso estão à porta e lá, ao contrário de cá, cada candidato responde perante o respectivo distrito eleitoral. Ou seja, ninguém se esconde atrás de siglas; os eleitores votam em pessoas que responsabilizam directamente. Neste contexto, Bush só podia mesmo era dar com os burrinhos na água.
Aparentemente o primeiro tema nada tem a ver com o segundo, porém, não é bem assim. Eu explico: a) se em Portugal houvesse deputados eleitos em círculos uninominais, dificilmente os líderes dos partidos poderiam subscrever pactos com o figurino daquele que foi anunciado; por outro lado, b) jamais um chefe de governo poderia ditar o sentido de voto dos eleitos de outro órgão de soberania, ainda que em listas do seu próprio partido. Alcançaram agora?
E o que tem isto a ver com o referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez? Nada, na substância, mais uma vez; tudo, no que concerne aos modelos de democracia representativa. Na verdade, as democracias referendadas são as mais genuínas. Assume‑se como pressuposto que o exercício da cidadania não é palavra vã e, por outro lado, que os eleitos não são divindades que tudo podem decidir por nós.
O estranho é que os partidos que até bem pouco tempo defendiam a democracia popular, ou seja, plenários com voto de braço no ar, sejam exactamente aqueles que se manifestam contra o referendo. Então agora já não querem consultar o povo? Ou é só porque tal voto é secreto?
[Publicado no Jornal "Brados do Alentejo" em 22 de Setembro de 2006 (http://bradosdoalentejo.com.sapo.pt)]