As teorias do comportamento defendem que o ser humano vive permanentemente a procurar optimizar o seu bem-estar. Apesar de não haver razão para que alguém se envergonhe disso – afinal, este fenómeno foi denominado, nos idos anos 70 por Michael Jensen e William Meckling, simplesmente por "natureza humana" – a verdade é que são raros os que assumem a racionalidade do seu comportamento. A maioria porque têm pudor de reconhecer perante terceiros que têm interesses, ainda assim não haja alguém que os vá classificar de egoístas ou de algo do género. Outros, porque sabem que têm razões para ocultarem a sua verdadeira essência quando esta não é socialmente aceitável.
A verdade, porém, é que apesar desta busca incessante pelo bem-estar, apenas alguns eleitos o conseguem de facto. Uns por mérito próprio. Estando melhor informados que os demais, dispõem de habilitação que lhes permite tomarem melhores decisões. Outros porque apesar de serem menos capazes, sabem o essencial da natureza humana e não têm qualquer escrúpulo em usar tal mister em benefício próprio, mesmo lesando terceiros. Em colunas anteriores já me referi a este fenómeno. Por exemplo, em "Zaragatas à moda antiga" e em "Perspectivas" referi-me à incapacidade que algumas pessoas têm em ver segundo a perspectiva do outro, facto que impede uma adequada percepção de nexos de causa-efeito. Em "Distância hierárquica" denunciei a hipocrisia da adulação do poder e a falsa humildade daqueles que, como os chineses medievais, baixam a cabeça perante o seu senhor enquanto se peidam silenciosamente. Neste contexto, algumas pessoas preferem pedir favores a reclamar direitos porque pensam ser mais eficaz ficar em dívida mas ter, do que exigir e… perder. Em "D. Branquinha" mostrei o outro lado da ganância. Quanto mais se ambiciona o ganho fácil mais facilmente se cai num embuste.
E por falar na "D. Branquinha", houve quem me questionasse onde é que pretendia chegar com o final daquela coluna. Esclareço: tal como n'O polvo, série que animou os serões dos anos 80, também na nossa sociedade existem tentáculos que corrompem a integridade de pessoas comuns. Ao inspector Corrado Cattani haviam raptado o filho; a alguns dos nossos compatriotas raptaram-lhes o direito de falar e de agir como cidadãos livres. A tal ponto chegámos que já há pessoas que se sentem forçadas a pedir o anonimato quando escrevem ou dizem algo que possa desagradar a quem tem o poder. Não estou a falar do anonimato que caracteriza aqueles que atacam cobardemente os que ainda se sentem livres para dar a cara. Falo, sim, de pessoas que temem represálias no emprego se não alinharem com a posição oficial. Há muitos a quem acenaram com promessas de que irão ter, facilmente, algo de bom que muito ambicionam. Só há uma condição: têm de se comportar de uma determinada forma. Como em tudo na vida, se é bom, o melhor é pagar o preço, porque caso contrário vai sair mais caro. Alguns, em desespero, aceitam a solução mais fácil… mais tarde apresentam-lhe a factura a cobrar.
Se isto não é similar à "La piovra", então o que é?
Publicado no Jornal "Brados do Alentejo" na edição de 22 de Março de 2007