Não é de hoje nem vai acabar amanhã a situação em que os poderosos – ainda que não, necessariamente, todos – subjugam os mais fracos. No entanto, reconheça-se, já foi pior. Tempos houve em que os poderosos se achavam dotados de inspiração divina e, de tal sorte, consideravam perfeitamente naturais e razoáveis os privilégios de que gozavam.
Na época do Rei David – sim, daquele que (quando pastor) derrotou com uma funda o filisteu Golias – este não se contentou em cobiçar a mulher de Urias, o heteu. Fez mais: encomendou ao seu general Joabe uma batalha com os filisteus cujo principal propósito não era combater o inimigo, mas sim arranjar uma forma de Urias morrer em combate. Quando os mensageiros levaram ao rei a notícia da derrota, na qual pereceram muitos do povo de Israel, David só quis saber se Urias tinha, de facto, morrido, para assim poder desposar a mulher do rival. De tal casamento, o segundo rebento teve por nome Salomão – sim, o tal que tinha grande sabedoria – o qual, por sua vez, com muita sensatez, mandou matar o irmão Adonias, assim como Joabe, não fossem estes pôr-lhe em risco a coroa de David.
Como eram belos os tempos em que os animais falavam.
Mas espera aí. Quem falou em passado? Hoje as coisas são diferentes, no entanto continua a haver animais a falar. Querem exemplos? Que dizer então daquele passarão que disse que a culpa da subida do preço da electricidade era dos consumidores? Já pagamos mais 24% que a média comunitária, mas ainda assim somos culpados. Depois somos também culpados de as nossas empresas não serem competitivas, quando na generalidade dos factores produtivos – à excepção do factor trabalho – estamos em desvantagem para com as empresas estrangeiras. Que dizer de um certo Governador vir anunciar que os problemas da Segurança Social ficaram resolvidos por décadas, graças às poções milagrosas deste Governo? Como? À custa dos mesmos de sempre. Ainda que se reconheça que algo teria de ser feito, a verdade é que se obteriam resultados mais evidentes se fossem combatidas as mordomias daqueles que, no seio do poder, auferem compensações significativamente acima das suas comparticipações para o sistema. Que dizer das subidas desmesuradas dos nossos impostos, de tal modo absurdas que nem sequer geram maiores receitas, desviando-as para la Hacienda espanhola? É o caso dos combustíveis, do tabaco, etc. Não faz mal que as gasolineiras vão falindo nas regiões de fronteira. Então e as reduções nas comparticipações dos medicamentos? E que tal pagar IMT (antiga SISA) duas vezes em caso de divórcio? Que dizer do Senhor Juiz que se confina a questões processuais e, nessa perspectiva, não vê mal em que o verdadeiro pai da Esmeralda – ou seja, aquele que, pela filha, sacrificou tudo – vá para a prisão, porque o cedente do espermatozóide se lembrou, tarde e a más horas, que também queria ser pai da menina que antes lhe ia estragar a vida?
Portugal era assim, no tempo em que os animais falavam...
Na época do Rei David – sim, daquele que (quando pastor) derrotou com uma funda o filisteu Golias – este não se contentou em cobiçar a mulher de Urias, o heteu. Fez mais: encomendou ao seu general Joabe uma batalha com os filisteus cujo principal propósito não era combater o inimigo, mas sim arranjar uma forma de Urias morrer em combate. Quando os mensageiros levaram ao rei a notícia da derrota, na qual pereceram muitos do povo de Israel, David só quis saber se Urias tinha, de facto, morrido, para assim poder desposar a mulher do rival. De tal casamento, o segundo rebento teve por nome Salomão – sim, o tal que tinha grande sabedoria – o qual, por sua vez, com muita sensatez, mandou matar o irmão Adonias, assim como Joabe, não fossem estes pôr-lhe em risco a coroa de David.
Como eram belos os tempos em que os animais falavam.
Mas espera aí. Quem falou em passado? Hoje as coisas são diferentes, no entanto continua a haver animais a falar. Querem exemplos? Que dizer então daquele passarão que disse que a culpa da subida do preço da electricidade era dos consumidores? Já pagamos mais 24% que a média comunitária, mas ainda assim somos culpados. Depois somos também culpados de as nossas empresas não serem competitivas, quando na generalidade dos factores produtivos – à excepção do factor trabalho – estamos em desvantagem para com as empresas estrangeiras. Que dizer de um certo Governador vir anunciar que os problemas da Segurança Social ficaram resolvidos por décadas, graças às poções milagrosas deste Governo? Como? À custa dos mesmos de sempre. Ainda que se reconheça que algo teria de ser feito, a verdade é que se obteriam resultados mais evidentes se fossem combatidas as mordomias daqueles que, no seio do poder, auferem compensações significativamente acima das suas comparticipações para o sistema. Que dizer das subidas desmesuradas dos nossos impostos, de tal modo absurdas que nem sequer geram maiores receitas, desviando-as para la Hacienda espanhola? É o caso dos combustíveis, do tabaco, etc. Não faz mal que as gasolineiras vão falindo nas regiões de fronteira. Então e as reduções nas comparticipações dos medicamentos? E que tal pagar IMT (antiga SISA) duas vezes em caso de divórcio? Que dizer do Senhor Juiz que se confina a questões processuais e, nessa perspectiva, não vê mal em que o verdadeiro pai da Esmeralda – ou seja, aquele que, pela filha, sacrificou tudo – vá para a prisão, porque o cedente do espermatozóide se lembrou, tarde e a más horas, que também queria ser pai da menina que antes lhe ia estragar a vida?
Portugal era assim, no tempo em que os animais falavam...
Publicado no Jornal "Brados do Alentejo" na edição de 26 de Janeiro de 2007